30 de outubro de 2011

Até hoje

O que eu mais gostava na casa da minha avó paterna eram os travesseiros com enchimento de macela. Parecia que a gente dormia numa nuvem de perfume.
Foi o primeiro lugar na vida onde vi bancos enormes de madeira na sala de jantar, daqueles de igreja. Até outro dia a comida era feita em fogo de lenha por opção. E o cuscuz era de milho ralado na hora. Foi o único lugar na vida onde vi um pé de figo.
Meu avô era marceneiro e bastava olhar pra gente pra dizer peso e altura. Também tinha uma ternura perversa. Quanto mais ele gostava de alguém, mais torcia os dedos e beliscava. Minha avó era altiva e severa, mas a única que caia no choro quando as férias acabavam e a gente voltava de Pernambuco para a Bahia. Não lembro nunca dela ter vindo em nossa casa. Só meu avô e seu indefectível chapéu.
Minha avó materna não conheci. Minha mãe dizia que era uma mulher delicada e suave. Meu avô materno vi pouco e sempre breve. A história dele saiu no jornal nacional lá pelos anos 70. Uma tragédia que deixou três pessoas da família mortas e algumas feridas. Ele também foi vítima. Mais não conto.
Meu avô se casou várias vezes e teve filhos mais novos que eu, alguns nunca vi. O último ainda era bebê quando ele se suicidou lá pelos anos oitenta ou noventa. Quando foram dar a notícia para minha mãe, tentaram obrigá-la a tomar tranquilizantes. Ela não relutou, mas jogou o remédio fora escondido. Só eu vi e nunca contei pra ninguém. Até hoje.

27 de outubro de 2011

26 de outubro de 2011

É a lógica que acaba comigo.

As criaturas estavam na mesa em frente a nossa e falavam o tempo todo em dieta enquanto se empaturravam de doces e refrigerantes. Não sei por que, mas a uma certa altura, aquilo me deu uma baita irritação. Viro para Helio e digo:
-Isso é assunto para se falar em uma delicatessen??????? Coisa mais chata.
E ele:
- O erro é seu, meu amor... que está ouvindo.

23 de outubro de 2011

22 de outubro de 2011

Vesti Azul! (Popopopopó!)

O rapaz da loja de tinta disse que camurça é o novo verde. Mas vamos pintar a casa de azul porque opinião é uma coisa feita pra mudar. Perdi a conta de quantas vezes disse: nunca vou morar numa casa pintada de azul. E eis que estou. Prestes. Meu amigo para assuntos aleatórios, música e séries de tv pergunta:
- O que tem visto?
E eu:
- Nada.
- O que tem ouvido?
- Nada
- Oxe, o que está acontecendo?
E a resposta óbvia e literal:
- Nada.
Mas querem saber? Está estranhamente bom assim.

(A nova secretária me chama pelo diminutivo. Acho graça. Ela enche potes com torrada e diz: "Pra senhora levar pro trabalho, dona Aninha".)

16 de outubro de 2011

15 de outubro de 2011

????

Para surpresa minha e de meu marido, ando sociável que é uma beleza. Não perco mais aniversários, almoços em família, batizados de boneca. Caiu um prato, pra mim é festa. E o que é pior, estou conseguindo até me divertir e esquecer o sofrimento que geralmente acompanha o processo. Marido, é claro, não está entendendo nada.
- O que foi que houve com você?
- Não sei. Só sei que é bom você não se animar muito...tudo nesse mundo tem limite.

10 de outubro de 2011

A torre que não é Eiffel

O quarto da bagunça virou a sala do computador. O problema é que o cômodo fica  na área externa da casa e é preciso subir uns vinte degraus para chegar até ele.
Minha filha disse:
- Pronto, agora que a senhora vai viver mesmo isolada de tudo e de todos.
O cardiologista:
-Bom, pelo menos vai fazer um pouco de exercício físico, subindo e descendo as escadas.
Mas o melhor pitaco mesmo foi da menina que trabalhou aqui até outro dia. Ela me viu indo para os fundos da casa e saiu com essa:
- Já vai para a "torre wafer"?

Batizou.

9 de outubro de 2011

Essa eterna saia justa

A bolsa é imensa. Tem três compartimentos enormes e espaço para tudo que você pensar no mundo. Olho para ela e penso: é uma mala. Outro dia guardei uma garrafa plástica de um litro e meio e não fez a menor diferença. Um par de sapatos, óculos de sol, carteira, milhares de folhetos de lojas de tinta, necessaires inúmeras e por ai vai.  O problema é que a bolsa deixa meu marido tenso. Principalmente quando o carrego para aquelas lojas de departamento com prateleiras muito próximas. Saio derrubando tudo e nem vejo. Só ouço meu marido lamentar:
- Eita, lá vai amor...............
Porque, além da voz da minha consciência, é ele quem tem a função de apagar os incêndios. Mas só percebi a gravidade da coisa outro dia, quando finalmente entramos no carro. Ele segurou o volante, respirou fundo e disse:
- Amor, sabe? O mundo.... o mundo é pequeno demais para vocês duas.