19 de janeiro de 2014

Poema revisitado

Quero te dar um presente, meu amigo
aquele velho livro ou disco
porque aqui tudo é velho
até mesmo o que acaba de sair do forno
já sai condenado. Vou ler um dos meus poemas
preferidos
para você achar que a vida tem jeito
e só os poetas sofrem
como Maiakovski
ou Bukowski que queria derreter a morte
com versos
como se derrete manteiga
e ele nem tinha ilusões, veja só
sinto pena.
De mim e de você que nada somos
e desafiamos a morte no supermercado.
Quero te dar um presente, meu amigo.
Talvez uma quantia em dinheiro
que te sustente na velhice se você chegar lá
envergado desse jeito
inútil desse jeito
da mesma forma que eu
que já vivi noventa anos em quarenta
(e foram só meses)
e nem tenho nada para te oferecer
pois tudo é gasto.
Vamos ouvir música
comer bobagens
atravessar a rua sob o sol de meio dia
porque é isso que nos resta.
Sou infantil, egoísta e confusa e quero te dar um presente, meu amigo
para que você me odeie profundamente
e diga:
não sei o que fazer com isso. E assim seremos iguais mais iguais que os outros.
Numa irmandade que não nos salva
nem preserva
não é bondosa
nem misericordiosa
nem má. Não existe por códigos especiais e secretos
nem nos torna especiais ou melhores
ou piores
ou diferentes.
Não nos subtrai, nem acrescenta. Mas pela graça de Deus
não nos pede retorno.
Toma é tua essa pedra.
Verbo.
Meu amigo, não sei para que serve
e talvez seja esta sua única função.

Anne Cerqueira
2013

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, que poema lindo!Adoro teus escritos. Calam fundo na minha alma. É como se eu sentisse todo o desamparo.O redemoinho, o vento te varrendo e tu com a mão quase a escapar da pilastra.

Belos e Malvados disse...

Obrigada Denise. Às vezes me sinto exatamente assim: no olho do furacão. Mas qual ser humano não sente, não é?