Quando era menina gostava de me corresponder com pessoas desconhecidas. Amigos de amigos, parentes de amigos. Creio que era comum lá pelos anos setenta ou oitenta. Acho que por isso não estranhei quando Gê pediu que escrevesse para M. porque ela estava passando por problemas e precisava de ajuda.
- Vamos criar uma rede de apoio - ele sugeriu.
Escrevi e me arrependi assim que recebi a resposta. O texto mais irado e agressivo que já li. Nunca na vida testemunhei tamanha fúria. Fiquei tão chocada que não comentei o caso com ninguém e segui adiante sem dar assunto.
Muito tempo depois recebi outra carta de M. Agora com um tom completamente diferente. Ela guardou meu endereço por uns três anos até resolver entrar em contato e pedir desculpas. Reconheceu a reação exagerada, disse que se sentia mal com o episódio e se mostrou aberta a aceitar a amizade que ofereci um dia. (Vejam bem, apesar de reagir mal, ela guardou a carta).
Não comoveu. Rasguei o papel, coloquei uma pedra em cima do caso e segui novamente adiante. Até que o mundo girou outra vez e a ficha caiu.
No meu mundinho bonitinho não entendi que o horror não era dirigido a mim. Não entendi que ali estava a manifestação do problema em sua forma mais pura e que se eu quisesse realmente ajudar, tinha que escrever novamente e novamente e novamente. Depois, quando ela retrocedeu, poderia ter respondido pelo menos por educação, mas não fiz. Bem mais fácil me indignar e pronto. Perdi. Duas vezes.
No fim, quem demonstrou ter coragem foi ela.
No meu mundinho bonitinho não entendi que o horror não era dirigido a mim. Não entendi que ali estava a manifestação do problema em sua forma mais pura e que se eu quisesse realmente ajudar, tinha que escrever novamente e novamente e novamente. Depois, quando ela retrocedeu, poderia ter respondido pelo menos por educação, mas não fiz. Bem mais fácil me indignar e pronto. Perdi. Duas vezes.
No fim, quem demonstrou ter coragem foi ela.