31 de outubro de 2013

LA LLUVIA

Comprei um guarda-chuva que é um toldo. Então não uso porque o transtorno também é imenso. Sombrinha não dá, perco todas. Megalomaníaca e avoada. Não há salvação para mim. 


Já fiz isso várias vezes. Melhor pagar mico do que estragar a chapinha. O problema é ficar só de repente.

29 de outubro de 2013

Um pequeno conto sobre gente

Antonio passou por uma uma infância muito pobre e sofrida. Hoje a vida é bem confortável, mas sonha recorrentemente sendo perseguido por ladrões. 
Josefa comprou o vestido lindo que vinha desejando há um certo tempo. Anda meio deprimida com receio de engordar antes de aparecer uma ocasião para usá-lo.
Sérgio conseguiu fazer a tão sonhada viagem para o exterior. Mas sem saber lidar com o desconhecido quase não curtiu.
Lívia estudou horrores para ser aprovada em um concurso público disputadíssimo. Entrou em pânico com medo de perder no psicoteste.
Bia ganhou um livro bacanérrimo sobre decoração de interiores. Devolveu. Não podia ter nada daquilo mesmo.

28 de outubro de 2013

Repertório

Nunca mais fui ao cinema.
Para que sair de casa se tem a internet e posso escolher o filme que quiser em vez de ficar limitada ao que está em cartaz?
Meu marido ouve rádio online.
Não tenho paciência.
Vou no youtube, escolho o que quero e não dou chance ao aleatório. No dia de menor inspiração passo direto para os favoritos e está tudo lá.
Esta é uma das vantagens da internet. Personalizar suas escolhas para evitar perder tempo com algo que você pode considerar chato. (Tirando as publicações bizarras do Facebook, porque ai não tem jeito).
O problema de tudo ter tanto a sua cara é que também se perde o fator uau. Igual a quando outra pessoa escolhe um filme, você não tem a menor expectativa sobre ele e acaba saindo do cinema maravilhada. Com um repertório maior.
Acho que é isso. Conviver é uma maçada das grandes. Porém quanto mais você se fecha em seu mundinho, menor vai ficando seu repertório.
O medo é de estar lendo os mesmos poetas do tempo de universidade. E só. E ouvindo apenas os mesmos cantores de sempre. E curtindo as mesmas páginas todos os dias. Quando o mundo é tão vasto.
No tempo em que os blogs bombavam era comum ter o fator uau. No Facebook ele é menor porque você também ESCOLHE as páginas de segue. Quase um jogo de espelhos. Parece que o universo é mais condensado ou eu não sei usar a ferramenta.
Tá, você escolhe o blog que lê, mas a pessoa tem mais liberdade para se expressar que em outras mídias.
E não há nada errado nisso tudo que citei.
É só uma questão de repertório. E de quando ele fica repetitivo. E o lance de ninguém ser uma ilha.

13 de outubro de 2013

Domingo

Você junta um monte de tralha dos armários para jogar fora. Coisa que está ali há décadas e nunca serviu para nada.  Mas bate aquela dúvida no meio do caminho: E se eu me desfizer disso tudo e precisar depois? Espera. Vou encontrar um jeito de reciclar. (Só que não).
Ai guarda tudo de novo.
E assim segue a humanidade: vivendo de esperança e apego.

6 de outubro de 2013

Não gosto dele mesmo sem conhecê-lo

Não gosto dele mesmo sem conhecê-lo. O ser humano é assim: preconceituoso e julga os outros.
Mas outro dia o ouvi dizer para a irmã que mulher tem que ser submissa ao homem SIM. E gritou até que ela se calasse.
Também o ouvi chamar a esposa de louca.
Ela tem uma deficiência grave e disse que é assim que todos pensam, só por causa do problema. " Os outros podem até ser ignorantes a este respeito, mas você não".
E ele repetiu:
- Você é louca.
Bem, o ser humano é mesmo preconceituoso. Então me reservo o direito de atravessar a rua para não dar nem bom dia.
Nem olhar na cara.
Não gosto dele, não o conheço e nem quero.

5 de outubro de 2013

Admirável mundo moderno

Primeiro veio a máquina de fazer pão para simplificar tudo. Lembrei de minha mãe que passava horas e horas na cozinha em busca de uma massa perfeita que nem sempre dava certo.
A máquina é uma beleza.
Não está sujeita aos caprichos do clima. Pode chover. Pode nevar. Pode estar abafado. Pode cair canivete.
Não precisa deixar a tigela do fermento coberta por não sei quanto tempo. O aparelho faz o trabalho dele e pronto. Lixe as unhas. Leia um livro.
O pão só fica ruim se VOCÊ errar a quantidade dos ingredientes.
Máquina é máquina.
Ou se faltar energia elétrica, como no dia do apagão aqui no Nordeste.
Ai veio o aparelho para fazer cupcakes. Sete de cada vez. Em poucos minutos você faz três fornadas. São pequeninhos e deliciosos.
Podem ser de chocolate, baunilha, cenoura.
Já vem a receita e o cliente decide.
O bolo só sai ruim se VOCÊ errar a quantidade de ingredientes.
Ou se - assim como eu - sofrer de impaciência crônica e não conseguir esperar oito minutos antes de abrir a tampa.
Minha filha mais velha e prendada assumiu o negócio e agora temos bolinhos assadinhos no tempo certo.
Aleluia.
Outro dia estava lembrando de minha mãe fazendo suspiro. Era uma ciência. E por fim, eles só podiam ser assados em forno quase frio. Minha mãe colocava uma caixa de fósforo ou outro obstáculo do tipo para evitar que a porta fechasse durante o cozimento.
Ficavam perfeitos. Crocantes por fora. Macios por dentro. Mas parecia que se você respirasse um pouco mais, todo processo iria por água abaixo.
Só falta agora alguém dizer que também já inventaram máquina de fazer suspiro. E que a receita não leva açúcar, nem clara de ovo, nem delicadeza. Uma substância genérica talvez.

4 de outubro de 2013

Way too long. Hold on, hold on

Pelo menos uma vez por ano meu pai tirava os bancos da parte traseira da kombi e enchia o espaço com colchões para que os seis filhos  pudessem se espalhar. Então viajava com a gente e mamãe até Alagoas e Pernambuco onde grande parte da nossa família ainda mora.
O mundo era inocente demais naquela época, fico pensando.
Não sei quantas vezes meu pai parou no caminho para dar carona a estranhos. Mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
E a gente não tinha medo. Nem eles da gente. Ninguém nunca teve tanto medo do semelhante quanto hoje.
RECORTE. Gosto muito da banda Cage the elephant. Mas esse vídeo ai embaixo me fala particularmente ao coração. Por causa da música e mais ainda pelas imagens em perspectiva. Tenho a mesma sensação de quando era menina e passeava pelas ruas de Recife, à noite, segurando a mão de minha mãe.
As luzes da cidade grande vistas bem de baixo para cima. O alumbramento que se perde com o tempo: entidade que faz tudo parecer comum.
Way too long.
Hold on
Hold on

3 de outubro de 2013

Artigo raro


Eu era muito pequena e estava de férias na casa de meus avós paternos em Pernambuco, quando uma de minhas primas mais velhas chegou com uma boneca exatamente igual a essa da foto. Ela ficou com pena de mim - única criança num lugar cheio de adolescentes e adultos - e voltou da rua com o presente.
A boneca era pavorosa e eu sabia.
- Gostou, Aninha?
- Hum, hum.
Coloquei um nome que não lembro, trouxe para a Bahia e brinquei com ela por muito tempo, junto com as bonecas-princesas que enchiam a prateleira do quarto. Incluindo Luciana, a que piscava para  mim quando não tinha ninguém por perto.
E Dorminhoca, que ceguei passando mãos e demãos de violeta genciana nos olhos de vidro.
- Você vai ser o que quando crescer?
- Bailarina. Dentista . Médica.
Não lembro o nome da prima também. Minha mãe era boa nesses assuntos e, quando se foi,  levou os detalhes todos que ajudavam a complementar a memória.
Mas me lembro de como a boneca era engraçadamente feia. E do quanto foi bom aquele momento, lá em Garanhuns, há quase quatro décadas. E do quanto gentileza parece um artigo raro nesses atuais tempos estranhos. E do quanto tenho achado complicadíssima essa vida, quanto mais eu vivo.