30 de setembro de 2020

O amor tem tantos braços

e muitos deles me alcançam

nessa tarde longa

em que tranço

meus cabelos ao vento.

Veja, não posso reclamar.

Mesmo que muitos deles não passem

de grandes rios pra singrar sozinho,

pantomimas

paredes. 

Ou talvez seja eu que não reconheça

entre gestos e palavras que me afligem

os braços do amor que me alcançam

e o que eles não dizem.


Anne Cerqueira

Setembro 2020

28 de setembro de 2020



Não há mais alegria na casa
nem cores nos livros que os mais velhos liam pra mim
naquela varanda imensa
da casa imensa
que não é mais essa.
Cheios de palavras antigas - cromo, botica, arminho -
e histórias de dar nó na alma.
A pequena órfã.
A menina dos fósforos: morta de solidão, fome e frio
na véspera de tantos e tantos natais.
Não havia alegria ali também
só a imaginação
ressuscitando a menina sempre e sempre
para que ela se fosse de novo
de solidão, fome, frio
e indiferença.
Também não há mais príncipes nem princesas
nessa casa descoberta e erma
nessa casa que já foi de alguém e hoje não.
Apenas não
e esse silêncio brutal que queima
tudo que ainda teima
entre os vãos.

Anne Cerqueira
Setembro 2020