Só convivi com meus avós paternos e ainda assim, muito pouco. Não tenho fotos, apenas imagens na memória. Mas é impossível lembrar deles sem relacionar imediatamente com duas coisas:
1. O frio gostoso de Garanhus, cidade onde moraram a vida inteira e que eu visitava nas férias, esperando que fosse nevar a qualquer momento. Sim, era péssima em Geografia quando criança. Sorte que depois melhorei o bastante para me dar bem nas provas. A graça, no entanto, foi embora...
2. Comida. Acontece que a familia do meu pai é especializada em demonstrar afeto assim, enchendo o prato da gente. Uma coisa que não deixa de ser emocionalmente perigosa, mas inegavelmente gostosa. E nesse caso então: o doce de figo era feito da fruta colhida no quintal e o cuscuz, com milho ralado na hora... A gente se sentava em uma mesa enoooooorme, com bancos de madeira parecendo aqueles de igreja e começava uma verdadeira celebração: dos sentidos, da familia, enfim... Até outro dia, lá ainda se cozinhava em fogão a lenha, negando as benesses da vida moderna. Vovó gostava que fosse assim.
Na verdade, eu tinha muito medo dela e nenhuma intimidade, mas uma coragem tremenda, presumo: um dia sumi e me encontraram no quarto de santos do qual ela tinha o maior ciúme. Ninguém em sã consciência entrava nele. Diante de uma mãe atônita e uma avó lívida, estava eu, no esplendor dos meus três anos, ninando uma imagem raríssima de São Francisco de Assis, como se fosse uma boneca. Minha mãe dizia que eu estava compenetradíssima, mas vovó não gostou nada da história, claro.
A partir dai, ela sempre sumia por algum tempo assim que a gente colocava os pés na casa. Aposto que era para se certificar que o quarto estava bem fechado. Mas a vigilância durou pouco. A última vez que fui lá, tinha doze anos. Depois, vovô e vovó viraram apenas notícia.
2 comentários:
Ah! a nossa memória...consciente e involuntária...Como um outro corpo, nos faz sentir cheiros de cuscuz, de doce de figo, de bolinhos... saudades...
Deu vontade de chorar!
Lucila
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