Quando nasci dona Zilu já era amiga da familia. Acho que tinha um parentesco longe com meu pai, mas nunca me interessei em apurar o assunto. O que lembro é que ela falava muito alto e gesticulava demais, balançando umas trezentas pulseiras de ouro cheias de badulaques pendurados. Parecia um sino.
Nos anos 80 quando Lima Duarte fez sucesso na novela Roque Santeiro - como Sinhozinho Malta, balançando o relógio no pulso - o apelido dele lá em casa era... dona Zilu. Fora a personalidade forte, a criatura usava roupas coloridíssimas e perfume para deixar o mundo cheiroso por três meses. E eu adorava. Tudo. Mesmo sem entender isso na época, dona Zilu era um agente transgressor no meu universo certinho e discreto. E isso nunca pareceu uma ameaça, mas uma possibilidade. A possibilidade do mundo ser diferente do que nos ensinam e ainda assim funcionar.
Lá em casa criaram as filhas para serem ladies. Minhas irmãs estudaram em colégios internos - que eram o máximo na época - e a mais velha teve aula de piano por anos a fio. Já peguei o período das vacas magras e me livrei dessas coisas, mas não posso me queixar da atenção que recebi porque mesmo nos tempos mais difíceis - quando meus pais já haviam se separado - a atenção não faltou.
Mas por que estou falando sobre isso? Não sei. Acho que é porque sempre penso nessas coisas quando me junto com o pessoal da empresa para falar bobagens que corariam um estivador. Quando sinto prazer em xingar (e xingo muito), quando sou grosseira para que o trabalho, a casa e a familia aconteçam. Para que eu aconteça. É nessas horas que me assusto: ''... Nossa, não fui criada desta forma". E sei que tem gente que me conhece há séculos e nem sabe que sou assim e nem sabe que também não sou assim.
Sou discreta, mas gosto muito de coisas coloridas. Sou medrosa, mas exerço uma função que precisa ter vários planos bês na manga e tomar decisões rapidíssimas nos momentos de maior tensão e stress. Sou patologicamente tímida, gaguejo e me enrolo, mas posso enrubescer alguém se estiver me sentindo à vontade.
Também nunca liguei muito para as coisas que são como devem ser, mas para as coisas que são como podem ser. E juro a vocês que é bem nessas horas que balanço minhas trezentas pulseiras imaginárias cheias de badulaques. Só não exagero no perfume. Ainda.