1 de março de 2012

Poema

quero te dar um presente, meu amigo
aquele velho livro ou disco
porque aqui tudo é velho
até mesmo o que acaba de sair do forno
já sai condenado. Vou ler um dos meus poemas
preferidos
para você achar que a vida tem jeito
e só os poetas sofrem
como Maiakovski
ou Bukowski que queria derreter a morte
com versos
como se derrete manteiga
e ele nem tinha ilusões, veja só
sinto pena.
De mim e de você que nada somos
e desafiamos a morte no supermercado.
Quero te dar um presente, meu amigo.
Talvez uma quantia em dinheiro
que te sustente na velhice se você chegar lá
envergado desse jeito
inútil desse jeito
da mesma forma que eu
que já vivi noventa em quarenta anos
(e foram só meses)
e nem tenho nada para te oferecer
pois tudo é gasto.Vamos ouvir música
comer bobagens
atravessar a rua sob o sol de meio dia
porque é isso que nos resta. Meus filhos vivem
a vida deles. Me beijam. Eu digo: podem ir,
mas é mentira.
Sou infantil, egoísta e confusa e quero te dar um presente, meu amigo
para que me odeie profundamente
e diga:
não sei o que fazer com isso. E assim seremos iguais mais iguais que os outros.
Numa irmandade que não nos salva
nem preserva
não é bondosa
nem misericordiosa
nem má. Não existe por códigos especiais e secretos
nem nos torna especiais ou melhores
ou piores
ou diferentes.
Não nos subtrai, nem acrescenta. Nem nos pede retorno.
Toma é tua essa pedra.
Meu amigo, um presente de coração.

(Anne Cerqueira, fevereiro de 2012)

12 comentários:

aeronauta disse...

Oi, Anne, tão belo o seu poema, como todos os outros que conheço: este tem uma dose alta de vida, atordoante. Gostei demais, amiga. Um abraço.

EGBERTO disse...

Nem acreditei quando me deparei com um poema seu. Tão novo. Desabrochado. Bem assim: diante dos meus olhos. A poeta, como prefere ser chamada, voltou aos versos? E como eles são agora? Cadenciados? Destemidos? Diga que sim, ou melhor, derrame-se annemente.

Belos e Malvados disse...

Eu estava meio mal esse dia, Eg. Canalizei para o poema. Espero não sentir vergonha daqui a pouco.Acho que eles são "tresloucados". Um beijão.

EGBERTO disse...

Que dor linda. Está proibida de arrependimento. Já salvei essa belezura para nosso controle e segurança. rsrsrs

Belos e Malvados disse...

Ai, eu te amo, Eg. E nem tinha dito isso hoje. Ainda.

Lucila disse...

Mãe, adorei ver seu poema, novinho, por aqui... Que bom!
Estou com saudades de todos!! Todos mesmo!
Beijos. Te amo!

Leonardo Xavier disse...

Ficou muito bonito esse poema Anne. Saudades de ter uma pausinha para escrever. Essas últimas semanas tem sido muito corridas para mim.


abraços

Belos e Malvados disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Belos e Malvados disse...

Obrigada meninos e meninas. Um beijo em todos.

Some não, Leo.

aeronauta disse...

A poesia tem o dom maravilhoso de ser sempre nova, a cada leitura.
Releio seu poema agora e vejo, estonteante, o presente dado: a pedra.
Parabéns. Grande poema.

Belos e Malvados disse...

Para você mando um beijo, querida Aeronauta.

Danielle Martins disse...

Lindo!!!!
Saudade daqui, a vida ta quase voltando ao normal!
Bjs!